Monday, January 22, 2007

Adolescência

Um dia desses, quando fizer sessenta anos, ainda meto tudo isso num envelope timbrado e mando para alguém de dezenove anos que nunca conhecerei melhor. Alguém como meu filho, ou o filho deste. Dear, my fondest regards, eita merda.

Monday, January 01, 2007

As arestas

Não sei para onde ela conduz os olhos. De resto, não é mais o tempo de se preocupar com olhares. Enterramos todas as transações possíveis no interruptor de um abajur adjacente. O número de moléculas é imutável, nenhum frescor entra ou sai. Estamos presos aos own devices, fixos e previsíveis, redondos e primitivos como as bochechas luminosas de crianças roliças. Na escuridão nunca mais seremos estupidamente originais.

Conhecemos nossa profissão relativamente bem. Cada um puxa sorrateiramente seu pequeno baú de procedimentos para perto de uma moldura retangular de tamanho definido. Esta moldura constitui nossos limites mais óbvios. Alinhamo-nos polidamente.

De cada baú surde uma colcha com toda sorte de retalhos, urdida com toda sorte de materiais. Com um esmero cínico, arrojamos o lençol sobre o nosso parceiro, com o único fim de obscurecê-lo. Então não há mais nada a se fazer. Todos os nossos materiais estão ali, bocas de tergal ou de tafetá, abraços fibrosos, as unhas que rasgam como papel. Nossa mercadoria reluz em sua máxima intensidade, apostando na vontade praticamente cerebral do consorte em se deixar enganar pela escuridão de tantos tecidos.

A colcha se torna uma rede; esperamos por algo que virá do fundo do rio. Contudo, enquanto algo não vem (e na realidade algo nunca virá), assobiamos, a bordo de uma canoa, uma melodia plangente, uma nênia solitária cujo significado se originou nos sábados chuvosos de infância e desde então se desgastou, lentamente.

Ela não olha para mim, talvez nunca olhará. Acho que ela é cética quanto à serventia dessa profissão e eu disponho de pouco para ser enganado. Existimos solitários. Mas eis que no rio estático abrolha um movimento insuspeito. Desfaço-me das redes e atento. É ela que, da outra extremidade da minha pequena embarcação, começou a sorrir e se deleita em fazer carícias circulares e distraídas na superfície da água, as mangas da minha camiseta, os fios dos meus cabelos. Alegre, lhe desejo um boa-noite melífluo e aliviado, cheio de interjeições.

Vou acordar bem além do meio-dia. Sei que me tornei a única coisa verdadeiramente importante de toda a noite, para mim e para ela - a cantiga objeto de sua solidão.